:: Domingo, Julho 17, 2005 ::

Bailarina

(coloquei a mão no seu ombro)
e se esse sopro
vindo de não-sei-onde
for crisálido sonho?

as dançarinas esconderam
suas faces para o choro.
A dor deu voltas
para si mesma
- soberba e medo
que vem se repetindo.
Mas algo vibra ante o temer
rompe em silêncio poluído
de anestesia.

O que mais fala
por nós?
Inexatos pela simetria
nesse despertar sóbrio
para a magia.

Os calos cantam
celebrando as feridas
Temo tu não veres fim
em ti mesmo.


:: habitante de mim 1:27 PM
...

Sombrais

tão estúpidos teus pingos
doces
de cólera arrependida
eu sempre espero, mas eles nunca vêm
me cubro de noite
sorrindo em desdém


como a dança dos restos (solitários)
a mercê de encontros
transando misturas
de sujeira rubra
maldito juízo que
recorta as figuras
raras, e únicas
Pulsam compridas
em pulsos puídos
des-figura
toda menção

:: habitante de mim 12:39 AM
:: Quinta-feira, Julho 14, 2005 ::
Era pra ser surpresa, mas achei tão legal a apresentação do meu livro, que preciso compartilhar.
Voi lá!

Resposta de Eva

O título acima é o de um dos poemas de Eliane, que tiveram que ficar de fora desta antologia. A guria escreve muito e tivemos que estabelecer critérios para que pudéssemos fechar o livro. Um deles: provocar, tudo bem, mas invectivar contra o santo dos santos homens, aí o buraco é mais embaixo ('filho da puta/ das costelas que me concedeste...', começa ela).

Seu irmão, Arlênio Rubi, diretor artístico do Balett do Mariano Pinto, vai à Missa todos os domingos. Por que comprar briga com os seus? Não. Arlênio tem justificadas razões para entender que sentará no colo de Deus-Pai, logo, não podemos colocar em risco suas aspirações mais íntimas.

('Divino, porra nenhuma!', escreve a impossível, 'Toma de volta essas costelas / mal-amadas / Não careço de restos / para dar-me aos homens'. O bailarino teve um ataque tal que o Almodóvar entrou em contato para negociar a continuação de seu Mulheres à beira de um ataque de nervos, Rubi substituindo a Carmen Maura. Só não filmou porque o Banderas anda a meio pau depois que casou com a Melanie.)

O que podemos adiantar é que Eliane, melancólica, pessimista, que se diz impotente diante das imposições da vida em sociedade, sabe muito bem se defender. Atira pra tudo quanto é lado, e certeira. Porque existe um lado dark no mundo (se até na lua tem!), para o qual não gostamos de olhar, então é preciso, de quando em vez, alguém aventurar-se por essas paragens, para que possamos continuar nossa vidinha de sempre, sem maiores riscos entre o berçário e o necrotério. 'O que vem depois, sigam-me, que eu garanto', diz o irmão, arrastando seu manto diáfano.

Eliane não é diáfana. Provavelmente, não vai para o céu.


*Pipo Randall, PhD


(* José Carlos Queiroga - grande mentor)

:: habitante de mim 4:08 PM
...
:: Terça-feira, Julho 12, 2005 ::

Acontecimento

Minhas lembranças
romperam com o suave
ficou o gosto
de sua avidez.

A noite invadiu ao sopro árduo
essas ruas de sorriso árido
de rimas tortas
sem sombras e mortas

Ainda era escuro
tão negro seu despertar
Percorri os lados
sem me tentar olhar
o que se passa...
(comigo)
Num imperativo de burlar
alguma lei da pata-física
além da névoa cerrada
comprimindo meu vôo
mentiroso e cansado.

Não cheguei ao encontro
esperei
sem respostas
Talvez meu cheiro
talvez...
o sol se fez fechado
Não consegui engolir
as coisas pequenas
Rompi os traços


:: habitante de mim 3:17 PM
...
Só Louco! Só Poeta!

No ar purificado,
quando já o refrigério do orvalho
goteja sobre a terra,
invisível, inaudível também
- pois o consolador orvalho usa
sapato delicado, como todos os apaziguadores -
recordas-te então, recordas-te, coração ardente,
como outrora tinhas sede,
enquanto nas veredas amarelecidas
olhares perversos do sol poente
te perseguiam através de árvores negras,
olhares ofuscantes de fogo solar, olhares maliciosos.
- Pretendente da verdade - tu? escarneciam eles
um bicho astuto, predador, rastejante,
que tem que mentir,
que tem que mentir deliberadamente, voluntariamente
disfarçado de variegadas cores,
máscara para si próprio,
de si próprio presa
isto - o pretendente da verdade?...
Só Louco! Só Poeta!
Só falando à toa,
sob máscaras de louco falando à toa,
subindo por mentirosas pontes de palavras,
por arco-íris de mentiras
entre falsos céus
vagueando, rastejando -
louco! poeta!...

Isto - o pretendente da verdade?...

Não quieto, rígido, liso, frio,
tornado estátua,
não como coluna de deus
colocada diante dos templos,
guardião de um deus:
não! hostil a essas estátuas de virtude,
mais íntimo dos desertos que dos templos,
cheio de felina malícia
saltando por qualquer janela
upa! para todo o acaso,
pelo faro procurando qualquer floresta virgem
para que nas florestas virgens,
entre feras de pêlo malhado,
corresses pecaminosamente são e belo e colorido
com beiços lúbricos,
ditosamente escarninho, infernal, sanguinário,
corresses roubando, rastejando, mentindo...

Ou semelhante à águia que longa,
longamente fixa os abismos,
os seus abismos...
- Oh! como estes se enroscam lá para baixo,
para o fundo, para dentro,
em profundezas cada vez mais fundas! -
Então,
de súbito,
em vôo picado,
num rasgo palpitante
cair sobre os cordeiros,
repentina, voraz,
ávida de cordeiros,
hostil a todas as almas de cordeiros,
raivosamente hostil a tudo o que tem olhos
virtuosos, de carneiro, de lã encaracolada,
a toda a estupidez, à leitosa benevolência de cordeiro...

Assim,
de águia, de pantera,
são os anseios do poeta,
são os teus anseios sob mil máscaras,
ó louco! ó poeta!...

Tu que viste o homem
como deus tanto como carneiro - ,
despedaçar o deus no homem
tal como o carneiro no homem
e rir despedaçando -
isto, isto é tua ventura,
ventura de pantera e águia,
ventura de poeta e louco!...

No ar purificado,
quando já a foice da lua
verde por entre vermelhos purpúreos
e ciumenta desliza,
- hostil ao dia,
a cada passo secretamente
ceifando as roseiras balouçantes
até caírem,
afundarem-se pálidas em direção à noite:
assim eu mesmo caí outrora
da minha loucura da verdade
dos meus anseios de dia,
cansado do dia, doente da luz,
- caí, para o fundo, para a noite, para a sombra,
abrasado e sedento
de um verdade
- recordas-te ainda, recordas-te, coração ardente,
da sede que então sentias? -
ah, que eu seja banido
de toda a verdade!

Só Louco! Só poeta!...

(Frederico Nietzsche)

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