:: Sexta-feira, Outubro 10, 2003 ::

Restos Infantis

Um dia tudo isso há de acabar, mas deixe-me primeiro contar como começou. Dois dias atrás eu nasci, meu pai negou a minha existência, e fui jogada numa lata de lixo. Poucas horas depois recebi um prêmio por ter me tornado um mutante, ele abriu as portas da sua casa para me receber. Há um minuto atrás não entendi o porquê de ter aceito, mas enfim, aceitei, sabe, não guardo rancores.

Novamente humilhada, quem sabe seja o sangue, sinto ele sujo. Tenho a mania de lavar constantemente as mãos, a sujeira esta encardida em meu corpo, cheiro a lixo. Meu pai disse que eu sou o lixo, sou o resto, a última gota de porra que restava de seu pau brocha. Fui eu que causei as doenças do útero, os cânceres da minha mãe. Posso eu fugir da verdade? Até posso, mas da existência é impossível.

Pensei em morrer sabe, mas meu cheiro não iria melhorar se fizesse isso. Meu pai vai casar com uma puta, eu vou para a faculdade, quero ser arqueóloga, tentar desenterrar os meus próprios restos.

Trinta segundos atrás, enquanto conversava com um urubu, descobri que não há esperanças, há existência. Isso é triste, pensei, e comecei a rir e chorar e me sucumbir.

Assim foi o começo, e um dia tudo isso há de acabar.

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