:: Quarta-feira, Abril 19, 2006 ::

Bolha de Cristal

Colocou My Blood Valentine, e procurou não se achar. As luzes, todas, eram noite. Estava só e feliz. As pessoas, objetos decorativos, e ela uma voyeur em êxtase. Sim, foi engraçado cruzar por ela. Ela sorria, como quem se deixa tocar pela chuva.
A vida não é distante. E em qualquer rua que andasse, era lá, seu lugar. Seu lugar era o andar. Já não queria que os dias fossem feios. Toda a falta de sentido lhe fazia bem, lhe fazia belo. Retornou no fim da luz, ruas e olhar diferentes. Então o pior aconteceu.
Um colega de trabalho a reconheceu. É difícil vagar perto de casa. Não satisfeito em reconhece-la, parou para conversar.
A guitarra calou hesitante. 'olá, eu vou bem -sim, é bom caminhar. - (longa pausa - ele falava sobre o trabalho). Pois é... - até mais, preciso ir, se não perco a sessão - claro..., só não sei se é teu tipo de filme.' Foram os dois, assistir qualquer mentira.
Não chegou ser desconfortável. Ela não queria que fosse feio, mas lhe fazia falta o My Blood Valentine. Encurtou a conversa com sinceridade branda. Não queria ouvir preconceitos. Ele estimou sua companhia, 'podemos fazer isso mais vezes', e despediu-se melancólico.
A pilha enfraquecera, não tinha importância, ela tinha mentalmente os acordes que lhe confortavam. Ela veio pra casa bem devagar. Aos poucos recuperou a humanidade, sentia fome, comprou qualquer veneno. Não perdeu o sorriso, chegou a sentir vontade de ver seu colega novamente. Não queria se sentir invadida, afinal não fora. Foi apenas um encontro no meio de seu desencontro, e este, ainda estava lá.

:: habitante de mim 6:48 PM
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Dicotomia

Sim, o avesso do mundo. Ele se declarou à vizinha, após descobrir-se avesso do mundo. E por que não? Contido e sonhador, isso não era ele na verdade. Bateu de leve, achou melhor apertar a campainha. Houve um abraço, um convite para entrar. Ela é expansiva, mas só como ele via, afinal mais um reflexo, sabia que existia um avesso em tudo isso. Ele não se demorou, foi direto. A pediu em namoro, e disse que gostaria muito de construir uma história ao seu lado... blábláblá. Essas coisas que teoricamente funcionam. O burro esqueceu do avesso. Ela tinha um; desculpou-se dizendo que era lésbica, e que seria ótimo construir uma amizade.
Ora, como se percebe isso nas pessoas? O avesso. As entranhas não se mostram, pra isso existem os espelhos. Ele não tinha espelhos, pensava que se ver nas pessoas bastava. Continuaram a conversar, ela lhe emprestou discos e filmes. No elevador pensou que diferença fez, ele descobrir-se avesso do mundo? Andou com estranheza na rua, foi à loja ao lado e comprou um espelho enorme. Colocou ao lado da porta da rua, 'ver-se parado é não se ver', escreveu com lápis carvão na moldura do espelho. Os dias se passaram e ele colocou um suporte para um bloco de notas ao lado do espelho, assim fazia capturas de suas impressões diárias. Morreu no sétimo dia.
Na última folha, havia a seguinte anotação: 'Há tanto gás que se mexe novembro, e não se mostram, era pr¿eu quebrar a mentira junto com o reflexo, mas eu sinto, vou acreditar nas entranhas. Distantes, não são impossíveis de tocar. Não consigo garimpar as imagens, e delas resgatar minha identidade. Hoje não sei qual o avesso de vida.'
Algum anjo em descuido, pensando que aquilo fosse prece, soprou amém.

:: habitante de mim 6:47 PM

Ao meio

o céu era tão negro que pouco me via estava de costas para a lua qual me imitava em caricatura nas sombras era só e triste estava reconfortada o imenso que não via o sopro que me consolava

tão negro como os sonhos e devia ser sina de ventre seco pousada em lama podre eu já me sentia e o tudo demonstrava latente o interesse pelo meu silêncio

bastava que eu continuasse daquele jeito e eu já não me teria entregue e consciente


quantas faces já me mostraste és tantas que te rebatizaria para não ter que chamar do mesmo nome mesmo mesmo eu tinha que mudar mas como farei isso se segues despindo máscaras que não me permitem votar

esperei demais pela tua compreensão e do que aprendi contigo não suporto mais estou seca me deixes aqui pó não oro em vão invoco o vento me perco germino ciclos inconsciente do doer solidão

:: habitante de mim 6:40 PM
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Projeto

E ficou olhando pela minha janela
Absurda a forma como me via tão transparente e exposta
Absurdo como nunca assumimos viver juntos

Sentia em minhas frases dependuradas
Tudo o que eu realmente queria ser:
Alguém laranja de olhar triste e sereno.

Minto que não é pela falta que escrevo isso
Mas não sei
Talvez não seja esse o caminho
Ainda guardo riscos de fé
Riscos de sorrisos
Em um lugar que não está aqui
Eu o escondi bem para quando eu quisesse fugir

Hoje sou eu quem olha por essa janela
Ar lento
desatento
Essa calma, é invenção
Ver, já não cabe em mim.

:: habitante de mim 6:34 PM
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Eu li um livro chamado Consuelo

Estava escrito:
'Quando à tardinha
Eu mentia pondo-me em sol
Algo miudamente grande
Me ocorria:
Eu morria
E não me via
Tonta e corrente
Lá em baixo.
Eu já sabia
E ficava calada até a noite
Que era onde eu nascia.'

Consolou-me tentar
É difícil ver sentido.

:: habitante de mim 6:29 PM
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Útil é negar

Está tudo bem
Somos uma espécie de caos
E já foi descoberta essa vantagem

Sinceridade
Não é mais preciso cobrar tanto de nada
Sei lá... apenas respire alguns instantes
As clavículas já estão expostas à sorte
Não basta ser bom,
A luz tem de jogar para que haja cor

Relembre os mortos, às vezes
Para não se cansar
Homenageie os vivos de perto
E cuspa quando a náusea for última
Não basta ter dom, tão pouco dó
O riso tem que rasgar a pureza

A vantagem em ser caos
É descobrir-se em desvantagem

:: habitante de mim 6:27 PM
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nu como jornais

pedaços do outono
em seu longo
longo
adormecer

os pés descalços
os livros cerrados
(há tanto para se crer)

em seu divã preparado
à sombra da inquieta tarde
ergue os braços
árvore

as cores desbotadas
para amaciar a sensibilidade
tempo que é bem perto
eu me encantei com as pedras roxas do caminho
tempo íntimo
há flores desistindo do céu.

:: habitante de mim 6:26 PM
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Favor setorial

solicitei
em teu sagrado
ser
repleto de ter
algo que tivesse teu cheiro
tua letra

vi a calculadora

risível, não?
(00000000000000000)
já não crescia
aditivava
nem menos nem mais
pior ainda o compartilhar
só dor copulando e multiplicando
como irmãos incestuosos
siameses
bestas sem nomes

POUCO COMPORTA
não sou outra vítima
não prov(oqu)ei incêndios com tuas cartas
até ria de mim
quando só

não tenho mais...
restaram os zeros cotidianos
os zeros nascentes,
tudo que tinha
(toquei, pensando ter)
virou pedra
o tempo as levou em pó.
eu corri pra longe daqui
querendo ser
longe de te ter embrutecido.

:: habitante de mim 6:25 PM
:: Domingo, Abril 16, 2006 ::
Desenho em lápis de cor

era campo,
com fantasma
de muito tempo atrás
bem antigo, verdade
não condiz comigo

não o espaço
mas o fantasma
já ando ao seu lado, em paz
o tempo faz isso, às vezes

:: habitante de mim 7:06 PM
...
:: Terça-feira, Abril 04, 2006 ::

Despertar

Temo e lamento
Acabou o que diziam sobre nós

Esse caminho ficou velho e sem gosto
O que creio ganhou ritmo novo
Tenho medo de Ter medo
Mas o tenho, ainda
Andar tornou-se repetitivo nesse globo gigante

Andar tornou-se próximo
Tocar outra pele
Supor totalmente errado
O sonho ainda vem
Objeto calado

Acabou o que se dizia em silêncio
Pertence ao lixo, à curiosidade do vento
Livre dessa poeira
Já basta esse barro!
Basta dessa esperança desbotada em lágrimas!
Já re-usei o que podia dos dias passados
Já cantei para a chegada de outras memórias
Abro os olhos.

:: habitante de mim 2:42 PM

Seguindo o teu choro, também chorei

Ela não chama mais por você
Me parece um outro nome próximo do teu
Mas quanto a isso já não se pode afirmar certeza

Dia desses segui ela pra você
Ela cheirava bem, caminhava elegante
Parecia mais forte
Alguns calos no olhar

Propositadamente ela não me reconheceu
Segurou forte a mão de seu novo homem
E sorriu de uma forma maldosa e orgulhosa.
Ela ainda gosta de ferir

Ela andou um pouco mais para longe
Voltei pensando em como te contar.

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