:: Quinta-feira, Janeiro 02, 2003 ::

O que será depois de agora?
Eu não sei, odeio coisas previsiveis...
:: SATURNINE OBSCURED 1:12 AM [+] ::
...

Versos de um começo

Ainda ouço o silêncio pronunciar a paz
Tudo findou-se,
e o que me restou foi esse instante bucólico.
Esse mar de verdes campos,
Infinito que trilha o Princípio.

O vento me faz companhia,
canta suas tristes melodias.
Sinto-me forte ao seu lado.

Os restos da morte já foram queimados
e suas cinzas agora servem
apenas para gerar uma nova vida.
A Minha vida que nasce novamente...

Nasce... e não recomeça.
Para o que findou, não há recomeço.
O que findou nasce para um novo começo.
O fim da morte, o Fim do princípio.

Eliane Rubim



Borboleta de Asas Negras

Nada é igual
O tempo insiste em passar
Insiste em modificar o espaço, meu corpo.
Já não sou mais uma criança.
Já não sou mais o que era ontem.
Mas meu olhar não mudou.
Por que?
O tempo não consegue envelhecer meus olhos...

O mundo é completamente novo
Toda vez que acordo.
O sol, o perfume, a pobreza me chocam
como se tudo fosse a primeira vez,
como se saísse do ventre da mãe-terra
a cada abrir de olhos
após um longo sonho
de uma noite fria, mas abrigada
de todos pesadelos desse céu medíocre
que é apenas o reflexo
dessa vida, às vezes sem saída.

Mas é a vida, que renova a cada dia,
que apodrece nosso corpo
e também a alma de pobres incrédulos,
seres tomados pelo medo.

E eu? O que temo?
Por enquanto a mim mesmo
Pois amanhã nascerei novamente
E não serei mais o mesmo.

Deixe-me viver em paz.
Preciso apenas de liberdade
para transformar meu mundo.
Sonhar por igualdade.

Eliane Rubim

Água Suja

Corre, escorre
Por entre meus dedos sujos
O tempo.

Vem acompanhado por o vento
agonia e tormento.
Ainda há batimentos
em meu pulso, em peito.

Respiro profundo
Estou diante ao infinito
Estou diante ao medo
Estou no escuro.

Basta abrir os olhos, meu bem
Assim podes ver esse dia que termina
Talvez a esperança que inicia.

A vida inicia, e finda
a todo instante, mas não agora.
Minha vida está no elo
Minha vida está no zero.

Espere um minuto! O que vem a seguir?
O amor, o horror, a dor?
Não... é apenas a próxima novela
a próxima música
o silêncio próximo...

o silêncio dos olhos refletidos
nesse espelho imundo
que esconde a feiúra
mas não esconde os olhos
a verdade da alma.

Nem o pior reflexo
Embaça a transparência do medo,
A pureza dessa criança,
Não envelhece doces lembranças.

Eliane Rubim

:: SATURNINE OBSCURED 1:10 AM [+] ::
...

A casa

Minha casa, as paredes cuja madeira fresca,
recém-cortada cheira ainda: destrambelhada
casa de fronteira, que rangia
a cada passo, e silvava com o vento da guerra
do tempo austral, fazendo-se elemento
de tempestade, ave desconhecida
sob cujas geladas plumas cresceu o meu canto.
Vi sombras, rostos que como plantas
em torno de minhas raízes cresceram, parentes
que cantavam toadas à sombra duma árvore
e disparavam entre cavalos molhados,
mulheres escondidas na sombra
que deixavam as torres masculinas,
galopes que fustigavam a luz,

enrarecidas

noites de cólera, cachorros que latiam.
Meu pai com a alva escura
da terra, para que perdidos arquipélagos
em seus trens que uivavam se deslizou?
Mais tarde amei o odor do carvão no fumo,
e o grave trem cruzando o inverno estendido
sobre a terra, como uma lagarta orgulhosa.
de repente trepidaram as portas.

É meu pai.

Rodeiam-no os centuriões do caminho:
ferroviários envoltos em suas mantas molhadas,
o vapor e a chuva com eles revestiram
a casa, a sala-de-jantar se encheu de relatos
e até a mim, dos seres, como uma separada
barreira, em que viviam as dores,
chegaram as aflições, as carrancudas
cicatrizes, os homens sem dinheiro,
a garra da pobreza.

Pablo Neruda



A Morte

Renasci muitas vezes, desde o fundo
de estrelas derrotadas, reconstruindo o fio
das eternidades que povoei com minhas mãos,
e agora vou morrer, sem nada mais, com terra
sobre meu corpo, destinado a ser terra.

Não comprei uma parcela no céu que vendiam
os sacerdotes, nem aceitei trevas
que o metafísico manufaturava
para despreocupados poderosos.

Quero estar na morte com os pobres
que não tiveram tempo de estuda-la,
enquanto os espancavam os que têm
o céu dividido e arrumado.

Tenho pronta a minha morte, como uma roupa
que me espera, da cor que amo,
da extensão que procurei inutilmente,
da profundidade que necessito.

Quando o amor gastou a sua matéria evidente
e a luta debulha os seus martelos
em outras mãos de acrescentada força,
vem a morte para apagar os sinais
que foram construindo tua fronteiras.

Pablo Neruda

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